sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Conto: 'Sem título" de Rodolfo Alexandre H. Peixoto


Quadro Do artista Paulo dias n° 06841 (C)
Conto: Sem titulo
Autor: aluno Rodolfo Alexandre H. Peixoto
            Ela morava do outro lado da rua, terceiro andar do prédio em frente ao meu. Só conseguia vê-la quando estava na cozinha, não sabia seu nome, sua idade, não sabia nada sobre essa mulher, mas através dos meus binóculos nunca me senti tão próximo de um outro alguém.
            Nos dias de calor ela abria a janela completamente e ficava com o corpo virado na minha direção. Lavava louça e ligava seu radinho para ouvir música. Ligava também o meu, explorando as estações para tentar adivinhar o que ela escutava enquanto lavava pratos e colheres.
            Havia um muro do meu lado da rua, pintado de rosa, daqueles que quase não se acham na natureza. Um rosa artificial de chicletes sabor tutti-frutti. Nesses dias de sol em que sua janela estava aberta, descia até a calçada, passando muitas vezes consecutivas em frente ao muro, esperando que ela notasse o meu perfil emoldurado pelo papel de parede cor-de-rosa.
            Vinte metros cobertos de tinta pelos quais eu percorria para chamar sua atenção, pelos quais meus pensamentos navegavam pelo rosa. Passei a ver corações na parede e depois a imaginar o corpo desnudo dela. Tocava o muro, passando a mão em sua pele rosada.
            Dias se passaram e tudo parecia mais colorido perto do paredão rosa, os pássaros, as flores, mas não eu, pois ela nunca notava minha presença, nem olhava de canto do olho, me sentia em preto e branco, descolorido.
            Minha vizinha tinha que me ver, não era possível que eu não tivesse cor nenhuma. Gritei por ela, mas sem resposta, precisei tomar uma medida mais drástica, aquilo não ficaria assim, então comecei a escalar seu prédio, rumo ao seu andar. Estava logo abaixo, já ouvia a música do rádio. Quando coloquei uma mão para dentro da janela, pude sentir a água da pia espirrar, foi então que escorreguei. Minha cabeça abriu no meio-fio e minha vida escorreu pelo asfalto, mas lá em cima, antes de fechar os olhos, a vi esticar seu pescoço e olhar para baixo, para mim. Meu sangue era rosa.
Rodolfo Alexandre H. Peixoto

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