Conto:
Sem titulo
Autor:
aluno Rodolfo Alexandre H. Peixoto
Ela
morava do outro lado da rua, terceiro andar do prédio em frente ao meu. Só conseguia
vê-la quando estava na cozinha, não sabia seu nome, sua idade, não sabia nada
sobre essa mulher, mas através dos meus binóculos nunca me senti tão próximo de
um outro alguém.
Nos
dias de calor ela abria a janela completamente e ficava com o corpo virado na minha
direção. Lavava louça e ligava seu radinho para ouvir música. Ligava também o
meu, explorando as estações para tentar adivinhar o que ela escutava enquanto
lavava pratos e colheres.
Havia
um muro do meu lado da rua, pintado de rosa, daqueles que quase não se acham na
natureza. Um rosa artificial de chicletes sabor tutti-frutti. Nesses dias de sol em que sua janela estava aberta,
descia até a calçada, passando muitas vezes consecutivas em frente ao muro,
esperando que ela notasse o meu perfil emoldurado pelo papel de parede cor-de-rosa.
Vinte
metros cobertos de tinta pelos quais eu percorria para chamar sua atenção,
pelos quais meus pensamentos navegavam pelo rosa. Passei a ver corações na
parede e depois a imaginar o corpo desnudo dela. Tocava o muro, passando a mão
em sua pele rosada.
Dias
se passaram e tudo parecia mais colorido perto do paredão rosa, os pássaros, as
flores, mas não eu, pois ela nunca notava minha presença, nem olhava de canto do
olho, me sentia em preto e branco, descolorido.
Minha
vizinha tinha que me ver, não era possível que eu não tivesse cor nenhuma.
Gritei por ela, mas sem resposta, precisei tomar uma medida mais drástica,
aquilo não ficaria assim, então comecei a escalar seu prédio, rumo ao seu
andar. Estava logo abaixo, já ouvia a música do rádio. Quando coloquei uma mão
para dentro da janela, pude sentir a água da pia espirrar, foi então que
escorreguei. Minha cabeça abriu no meio-fio e minha vida escorreu pelo asfalto,
mas lá em cima, antes de fechar os olhos, a vi esticar seu pescoço e olhar para
baixo, para mim. Meu sangue era rosa.
Rodolfo Alexandre H. Peixoto
Rodolfo Alexandre H. Peixoto
Nenhum comentário:
Postar um comentário