sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O cinza-quadro, por Marina Carraro


O cinza-quadro.

Conto inspirado no quadro do artista plástico Paulo Dias.
REF. 06857 C

Sou feito do cinza, na mistura perfeita da lembrança com a imaginação.
Meu retrato é de fato incontestável, a vida em sua eterna mutação.
Sou cinza, também pudera quem ouvira dizer que a lembrança se colore a cada era?
O que não me colore, ainda que não ignore tons como:  o preto (ausência de cor) e o branco (expansão de luz), é a recordação.
Já explico: recordação tem tom de cinza.
Sou o dia de hoje, só que ontem.
Sou o macaco que evolui. (Mesmo sabendo que hoje ainda existem macacos). Sou o macaco de antes.


Carrego em mim o cão, que quando são, atendia por Bernardo.
Sou o piuí do trem em movimento anunciando com sua brasa, em extensa fumaça, a próxima estação.
Sou a tela pintada pela imaginação de um pintor.
A chaleira, que por diversas vezes, com a água da fonte, ferveu e perfumou as manhãs com aroma de café quente. Ela, que aos entardeceres contribuiu para cerimônias em volta da mesa de chá.
Sou feito da criança que cochichou sua infância a um amigo que só ela imaginou.
Sou a igreja, na qual o padre, senhor religioso, silenciou tantas confissões. Com seu pai-nosso e tantas outras ave-marias, salvou almas do pecado, permitindo ao fiel, a redenção.
Tenho em meus traços, a projeção de um passado que em preto e branco se pincelou.
Esse passado, que hoje não passa de um belo retrato, que um dia, alguém viveu, ou quem sabe, só imaginou.

Por Marina Carraro,  19/09/2012

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